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segunda-feira, 30 de julho de 2018

O super ego recalcou o ego que deseja o alterego....


(quadro de Vermeer - Moça com brinco de pérola)


Inventar uma história sempre foi difícil para mim. Só sei falar sobre a vida, de preferência sobre a própria. Quando nossa vida é plena de eventos, a realidade resulta melhor que a ficção. Poderia escrever sem parar, até morrer. No entanto é mais prudente esvaziar essa caixa mental vez ou outra, para que não transborde.

Desconfio que se uma pessoa olhar durante muto tempo para alguém, vai captar e até mesmo absorver um pouco de sua alma e personalidade.

A experiência que tive sábado quero descrever o melhor que puder. Num banco de uma lanchonete em frente à praia, em Santos (cidade onde nasci e vivi por 23 anos), o que pude observar não prometia deixar rastros...mas deixou. E o pior, rastros que agora me perturbam, machucam um pouco o coração, como mordidas de uma boca sem dentes.

Encontrei por acaso(?) meu alter ego sentada com o namorado, tomando um lanche que já parecia terminado. Sentada próximo a eles, percebi que havia naquela mulher de aproximados 35 anos, um rosto agradável, mais para bonito que feio, olhos claros porém encovados e sombrios, pele clara, cabelo escuro de corte médio, boca característica de pessoas seguras de si e levemente sarcásticas (muito levemente). Era uma boca agradável, mas feita para desconfiar de todos, sem deixar de expressar simpatia pelo interlocutor. Seu namorado, de quem só avistei o rosto num relance, quando se levantaram para ir embora, ficou de costas para mim o tempo inteiro e percebi que devia ter, pelo porte e uma calva aparecendo no cocuruto, uns 43 anos aproximados. Os dois estavam num diálogo, eu diria, bem equilibrado. Ele falava sem mover a cabeça, olhando sem cessar para ela. Mesmo estando de costas percebe-se esse tipo de coisa. Ela, por sua vez, falava tranquilamente,  num equilíbrio perfeito. Não desviava o olhar para os arredores . O que mais me deixou impressionada e perplexa foi a expressão do rosto dessa moça. Sempre atenta ao que o namorado falava, mas a boca....ah! a boca denotava um auto-controle sobre toda e qualquer emoção que porventura estivesse sentindo.

No momento em que percebi isso, aí sim, não perdi um segundo sequer da cena. Ela era o que eu sempre gostaria de ter sido na minha juventude. Queria ter tido aquela boca, aqueles olhos azuis (que se guardavam de refletir emoções), a tranquilidade e gentileza com que acolhia tudo o que o rapaz dizia, (isso é essencial) sem parecer envolvida no assunto a ponto de se perturbar ou pegar para si os problemas ou alegrias do outro.

Em instante algum ela se traiu. A boca (ah, se eu soubesse desenhá-la) estava coberta por um batom rosa alaranjado pálido, era de tamanho médio e com o lábio superior levemente arqueado nas extremidades, mas muito levemente. Era uma boca bonita. Passava auto-confiança e segurança. Pronta para enfrentar o que houvesse. Tudo o que eu não era. 

Quando se levantou para ir embora, senti que um pouco de mim foi junto com ela. O corpo era tipico das brasileiras cadeirudas e de coxas grossas, embora da cintura para cima tivesse um tórax delicado.

Agora me resta pedir aos céus que tire essa imagem da minha frente. Não tenho o direito de invejar ninguém, até porque sou gratíssima pela vida que tenho hoje. Mas confesso que se pudesse voltar atrás, se pudesse ter novamente 25 ou 30 anos, queria esse ar de poder e auto-controle que essa moça me passou.

Desejo de coração que ela possa viver o que eu não pude. Que ela possa se manifestar como eu não consegui. Que seja abençoada!!!

sexta-feira, 27 de julho de 2018

o lado bom da velhice ou tudo é relativo....a efemeridade das coisas




Todas as fases têm seu lado bom, apesar das dificuldades e problemas. Chego a pensar que existe um equilíbrio divino no final das contas, pois cada fase de vida nos dá oportunidade de vivências bem diferentes uma da outra.

Na infância temos o encantamento sempre presente da descoberta do mundo, a nosso jeito, em que coisas pequenas tornam-se sagradas, encantadoras e misteriosas. Quando crianças brincamos e falamos sozinhos, pois existe um tal envolvimento no que estamos fazendo, que um montinho de terra e algumas florzinhas podem representar um bosque encantado. Os elementos naturais nos bastam e são escolhidos como nossos companheiros de brincadeiras prediletos. Há muita magia em tudo e esse nosso mundinho nos basta, desde que estejamos bem alimentados e recebamos um tantinho de carinho de quem cuida de nós.

Na adolescência, que considero a fase mais difícil de todas (posso assim dizer pois já ando na velhice avançada) há o perigo da aventura por um novo mundo. Estamos nos despedindo dos brinquedos da infância, que já não nos seduzem tanto, e nos arremessamos num turbilhão de emoções fortes demais para serem vividas por alguém que mal acabou de sair do mundo da fantasia. Sentimos que chegou a hora de aprender a arriscar alguns lances, a sociedade assim o solicita, mas temos a insegurança de parecermos ridículos. Já não aceitamos muitas regras dos pais e professores, no entanto ainda não temos força nas asas para voar alto. Arriscamos pequenos vôos de galinha e às vezes nos damos mal...mas a vida continua a nos desafiar. Há tanto o que fazer...tanto o que experimentar...então tudo começa a ficar colorido demais e acaba por nos seduzir. Começam a surgir os primeiros impulsos em direção ao outro e logo chega o que chamamos de amor. Aí é uma verdadeira montanha russa. Muita emoção rolando alto e baixo, muito riso e muito choro, muita alegria e muito sofrimento. Há nessa época um alto índice de suicídios ou atentados que não chegam a se concretizar. 

Quando acaba a adolescência chega a fase em que, já com algum dinheirinho nosso, acreditamos que a melhor coisa do mundo é viver no nosso canto, ser independente, sair correndo da casa dos pais, (que a essa altura só nos sufocam). Fazemos malabarismos até conseguir um cantinho num quarto de pensão, numa kitinet e muitas vezes dividimos com um conhecido (nem precisa ser muito amigo)) um espaço onde vamos viver tudo novamente: alegrias, lutas, decepções, entusiasmo, cansaço, desafios, enfim, a coisa toda continua sob outro prisma.

A meia idade é a época em que começamos a perceber que muito esforço foi desperdiçado, muita energia foi gasta para pouco usufruto, (porque já não nos interessamos por 50% do que nos atraía até então) e tratamos de perceber que ninguém tem obrigação de satisfazer nossas expectativas. Vamos aprendendo com tombos feios, alguns quase nos aleijam, e daí tentamos recomeçar a nosso jeito ( a essa altura já antevemos razoavelmente a maneira de viver de que podemos dar conta). 

Quem nasceu para viver junto de alguém se estabiliza com um parceiro e procura enfrentar a vida a dois, pois o medo de ficar sozinho é maior que a dificuldade de tolerar as idiossincrasias de outro ser humano. (pensa-se: ao menos tenho alguém para me ajudar a atravessar a ponte da vida). Mas há os que a essa altura não confiam em ninguém. Já apanharam tanto, foram tão humilhados e enganados que preferem dar conta de viver sem partilhar alegrias e tristezas. Cada um sabe de si e há aqueles que sabem melhor ainda, que não nasceram para viver a dois por alguns motivos que os fizeram desconfiados e temerosos. Há quem não tenha mais subsídios emocionais para enfrentar o outro. E a crença de que ninguém no mundo se sentiria feliz conosco (aí entra o fator fidelidade que é um caso de foro íntimo) reforça mais essa decisão. Cada um faz concessões, a seu modo. Mas há quem prefira não se submeter aos caprichos muitas vezes mesquinhos e estúpidos do outro.

Bem, isso tudo é fruto da minha observação durante a vida e aquela que foi minha opção há anos está se confirmando como a melhor escolha. Por que? Porque a cada dia tenho mais certeza de que fiz a escolha certa, porque a cada dia sinto mais paz e felicidade verdadeiras dentro do meu coração. Só sei agradecer e agradecer a tudo o que foi e tem sido minha vida!!!

Mas não me perguntem se na juventude eu queria encarar a velhice....