Esperem até se aposentar. Tudo o que foi sonhado fazer, então, vai perdendo a nitidez, como se você se perguntasse: "O que foi mesmo que eu queria fazer quando me aposentasse?" Porque a gente muda a cada momento, e depois de um ano é como se todas as nossas células, não só do corpo, mas principalmente do cérebro, pertencessem já a uma outra pessoa, tão diferente de nós há um ano. Já não queremos o sossego planejado, e por outro lado fugimos de esquemas com horários e obrigações.
Fazer o que? Morando sozinha a coisa fica ainda mais complicada. Sim, porque você tem que interagir de vez em quando para não pirar. E não há ninguém vivendo com você para trocar idéias. Aí vai perceber que fazer isso com as velhas amigas é impossível. Todas têm compromisso com namorados que as mantêm sob controle. Fazer novas amigas até é fácil, mas você tem que se expor um pouco, sair, inventar coisas para fazer.
Acabei de chegar em casa. Saí em busca de um refil para um aparelho de giletes muito bom, mas esqueci-me de levar o aparelho e aí já fiquei sem saber se os vários modelitos se encaixavam no meu aparelho. Vou deixar para outro dia acertar esse assunto.
O que ficou mais claro nessa saída foi algo que quero compartilhar, até para saber se eu sou a única que penso assim (nesse caso preciso consultar um especialista). Com a idade chegando naquela fase final, de onde não se espera muito mais, (os planos a longo prazo, nem pensar...) vamos sentindo que o único lugar em que nos sentimos confortáveis é dentro de nossas próprias casas. O lar que criamos para nós independe de fatores externos. Aqui me refiro ao espaço entre as paredes de nossa moradia. O clima de bem estar, a energia de serenidade (apesar do trânsito lá embaixo, lá fora), nos deixa mais seguros de que podemos sonhar nossos sonhos (acordados ou dormindo).
Ainda tenho sonhos que sonho acordada. São pequenos, coloridos, cheios de uma pequena esperança de que ao menos aquele dia seja mais alegre que o anterior.
A sensibilidade e percepção aumentam e você começa a ver que tudo ou quase tudo o que os outros fazem é apenas um disfarce para afugentar a solidão, o nada, o vazio, até chegar aquela hora que todos têm que encarar, a não ser os que morrem antes.
Eu estou aprendendo a viver com a solidão desde que nasci. Há momentos em que ela é minha melhor amiga (a maioria deles) mas há ocasiões em que a macaca-mulher precisa de alguns artifícios para não se entristecer. Ouvi de uma amiga que assistiu no History Channel que o homem é um misto de entidades espirituais superiores e de um animal. A luta é fazer com que esse animal seja domado para que a proteção dos nossos orientadores espirituais seja mais efetiva.
Estou tentando (e hei de conseguir) matar a macaca velha que teima em habitar dentro de mim. Não tenho dado atenção a ela. Isso faz com que fique brava e resmungue o dia inteiro. Nem dou confiança. Prefiro um sofrimento mais nobre, renunciando a falsas alegrias. Elas já não me convencem.
Estou tentando (e hei de conseguir) matar a macaca velha que teima em habitar dentro de mim. Não tenho dado atenção a ela. Isso faz com que fique brava e resmungue o dia inteiro. Nem dou confiança. Prefiro um sofrimento mais nobre, renunciando a falsas alegrias. Elas já não me convencem.
3 comentários:
As memórias! As memórias!
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Oear9SEXQKQ
When to the sessions of sweet silent thought
I summon up remembrance of things past,
I sigh the lack of many a thing I sought,
And with old woes new wail my dear time's waste:
Then can I drown an eye, unused to flow,
For precious friends hid in death's dateless night,
And weep afresh love's long since cancelled woe,
And moan the expense of many a vanished sight:
Then can I grieve at grievances foregone,
And heavily from woe to woe tell o'er
The sad account of fore-bemoaned moan,
Which I new pay as if not paid before.
But if the while I think on thee, dear friend,
All losses are restor'd and sorrows end.
(Shakespeare)
Sonhos. De que servem os sonhos senão para serem realizados? E na sua realização jaz a paz natural do dever cumprido, evita-se a angústia de nunca passarem disso, de sonhos. Mas no fim de realizar todos os sonhos, que fazer? Provavelmente inventar mais sonhos mas deixar de os cumprir é deixar de revelar um pouco de nós mesmos que habita semi-escondido na possibilidade, mas que se expõe completamente na realização.
E nesta procura de revelação de nós mesmos que todos nós temos, uns mais conscientes que outros, será saudável prender os nossos pensamentos e desejos? Não deverá antes procurar assumir-se os papéis que tanto aprisionamos e censuramos dentro de nós? Deveremos ocultar para sempre o que assumimos como "mau" dentro de nós ou devemos expô-lo completamente? Mas ainda assim essa exposição precisará ser controlada na medida em que não se apodere por completo de nós, mas a sua censura constante é provavelmente aquilo que a vai tornando mais e mais negra até um dia ela não caber mais e rebentar.
É só um pensamento. Gostei do seu texto. :)
Nuno, eu acho que os sonhos, como os desejos, são tipos que nunca se consegue extinguir. No caso de realizarmos um ou matarmos outro, sempre há mais um ou outro na fila, esperando sua vez. São entidades insaciáveis. Talvez existam para servir de ferramenta de trabalho para nós, humanos.
Gostei de seu comentário ;)
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