Total de visualizações de página

domingo, 9 de abril de 2023

trechos de "O Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa

 

 

                                                                                  (imagem da internet)


Claro que as frases têm um efeito mais profundo dentro do contexto do livro. Vou ver se consigo publicar trechos do livro aqui no blog.


[15]

Conquistei, palmo a pequeno palmo, o terreno interior que nascera meu.

Reclamei, espaço a pequeno espaço, o pântano em que me quedara nulo.

Pari meu ser infinito, mas tirei-me a ferros de mim mesmo.

 

[17]

São horas talvez de eu fazer o único esforço de eu olhar para a minha vida. Vejo-me no meio de um deserto imenso. Digo do que ontem literariamente fui, procuro explicar a mim próprio como cheguei aqui.

[18]

Talvez o meu destino seja eternamente ser guarda-livros, e a poesia ou a literatura uma borboleta que, pousando-me na cabeça, me torne tanto mais ridículo quanto maior for a sua própria beleza.

[29]

Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quando me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos úmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamente.

[30]

Não me lembro da minha mãe. Ela morreu tinha eu um ano. Tudo o que há de disperso e duro na minha sensibilidade vem da ausência desse calor e da saudade inútil dos beijos de que me não lembro. Sou postiço. Acordei sempre contra seios outros, acalentado por desvio.

Talvez que a saudade de não ser filho tenha grande parte na minha indiferença sentimental. Quem, em criança, me apertou contra a cara não me podia apertar contra o coração. Essa estava longe, num jazigo — essa que me pertenceria, se o Destino houvesse querido que me pertencesse.

Nenhum comentário: