(sua fruta predileta)
Hoje é o dia do seu aniversário, Liloca querida. Depois que você se foi (há 45 anos) minha vida perdeu força e colorido. Do coração foi arrancado um pedaço; hoje ele bate sem alegria. Não vou dizer muito aqui pois espero encontrá-la em breve e chorar de alegria num grande abraço,seja onde for.
Por isso acredito firmemente que vamos nos encontrar. Já estou pagando o ingresso adiantado para ter a felicidade de me juntar a você.
Em plena pandemia do coronavirus vejo que a súbita prisão a que fomos condenados está gerando uma enorme quantidade de depressivos e paniquetes. Cada um procura em si algum meio de sobreviver a esse novo normal. Mas aí veio-me à cabeça uma questão: na hipótese de ao invés dessa prisão domiciliar devido ao coronavirus fôssemos forçados a ficar sem o celular por, digamos, uns 4 meses, pois este estaria emitindo radiações pela telinha que nos levariam à cegueira total, será que não estaríamos tão ou mais afetados ainda? Teríamos a liberdade de sair para onde bem entendêssemos, passear em praças e jardins, lotar restaurantes, trabalhar normalmente mas tudo isso sem o tabletinho que já faz parte de nosso corpo e alma.
Enquanto procuro me distrair dentro de casa nesses tempos difíceis veio-me ao pensamento, enquanto ouço um site de músicas do meu agrado, que nunca tive happy hours. Essas horas são aquelas que as pessoas reservavam para depois do trabalho. Geralmente iam em grupos pequenos ou mesmo em casais para fechar o dia com algum lazer.
Nessa época eu era responsável por dois filhos (o que ainda sou) e corria para casa depois de 8 horas de trabalho aturando ordens e procurando não focalizar a atenção nos machistas da época. Era infernal o quanto os homens (e até mulheres)se utilizavam da mão de obra feminina, que era boa e barata. Era às mulheres que cabiam as tarefas mais desagradáveis. Eu até que não podia me queixar pois como secretária da presidência de multinacionais minhas atribuições estavam dentro das menos desagradáveis de uma empresa. Ao lidar com o Inglês sempre senti mais prazer que dor nas tarefas que executei. Mas como toda mulher dos anos 60 ainda era muito submissa aos padrões da época e minha revolta ficava sempre no nivel subliminar. Já vinha de longe esse estado de coisas, desde a infância, quando um pai déspota me aterrorizava os dias. Enfim, cresci medrosa, porém muito revoltada, pois lúcida do que se passava, tinha energia apenas para uma revolta interior. O medo me paralizava.
Hoje sinto falta das transgressões que não cometi.
Sinto falta das happy hours que não frequentei.
Agora fica só a dor dentro do peito a cada vez que recordo minha falta de coragem.
Enfim, faltou energia para desafiar. Faltou talvez alguém para juntar forças às poucas que tinha na época e dar um salto para o futuro.