Kafka precisou escrever sua Carta ao Pai para exorcizar os demônios que habitavam sua alma. Vomitou tudo o que havia guardado dentro do coração durante anos. Ao ler sua Carta ao Pai chorei muito e quase vomitei minhas mágoas em relação ao meu pai.Durante anos senti necessidade de escrever minha carta ao pai, mas me faltou coragem. Mais tarde percebi que meu sentimento em relação a ele não era mais de medo e respeito. Era de indiferença. Vivo as consequências por ter tido um pai carrasco. Não consegui em toda a vida amar um homem sequer. Nunca disse "eu te amo" para nenhum deles. Por que? Porque para amar você precisa confiar. E eu perdi a confiança bem cedo. Ainda criança. Já pressentia um destino rigoroso. Sabia que teria que aprender a me virar sozinha. Não podia contar com ninguém para me proteger. Minha mãe fez o que pôde, mas não pôde o suficiente porque era depressiva. Lutou para sobreviver à doença mental que sempre a perseguiu. Vi-me então buscando forças na metafísica para ver se encontrava meios de viver, nem que fosse na corda bamba. Bem ou mal consegui ir cavando um túnel de proteção durante a infância, adolescência e vida adulta. Hoje, bem idosa, agradeço por ser uma sobrevivente para poder testemunhar uma coisa: nunca é tarde para se encontrar um respiro de paz. Só agora, no fim do caminho, através dos meus filhos, pude conseguir um pouco de alento para a velhice, e na companhia de minhas cachorrinhas posso assegurar que vivo uma existência em que há espaço para uma certa felicidade e muita gratidão. Gratidão em primeiro lugar a meus dois filhos e em segundo lugar a minhas cachorrinhas que são uma companhia preciosa em meus dias atuais. Nunca senti falta de homem. Percebi que não era essa a companhia que iria me fazer feliz. Para ser casada precisaria de uma qualidade que me foi arrebatada em criança: a confiança nos homens. Só confio em meus filhos. Os únicos homens que me fizeram sobreviver!!!
Por isso nunca escrevi minha Carta ao Pai. Não tenho raiva nem o mínimo amor por ele. Pertence ao território da indiferença, do esquecimento.
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