(lugar onde li os livros de Clarice)
Olhei para minha pequena estante de livros onde guardo meus queridos (que não venderia por preço algum) e meus olhos caíram no volume de Clarice Lispector, Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres, que já li há muito anos. Folheando as páginas já meio amarelecidas e com o perfume dos livros antigos, deparei-me com trechos marcados a lápis, das frases que na época produziram algum impacto em mim. Transcrevo abaixo, talvez alguém goste de recordar Clarice...
NOTA: ESTE LIVRO se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. Ele está muito acima de mim. Humildemente tentei escrevê-lo. Eu sou mais forte do que eu. C.L.
pág.19 - ...seu descompasso com o mundo chegava a ser cômico de tão grande: não conseguira acertar o passo com as coisas ao seu redor. Já tentara se pôr a par do mundo e tornara-se apenas engraçado: uma das pernas sempre curtas demais.
pág.31 - Lori tinha medo de cair no abismo e segurava-se numa das mãos de Ulisses enquanto a outra mão de Ulisses empurrava-a para o abismo - em breve ela teria que soltar a mão menos forte do que a que a empurrava, e cair, a vida não é de se brincar porque em pleno dia se morre.
pág.35 - Por mais intransmissível que fossem os humanos, eles sempre tentavam se comunicar através de gestos, de gaguejos, de palavras mal ditas e malditas. (aí fiquei na dúvida se houve erro de concordância com a palavra "intransmissível", ou falha da revisão).
pág.40 - Só com Ulisses viera aprender que não se podia cortar a dor - senão se sofreria o tempo todo.
pág.42 - Ela se guardava. Por que e para que? Para o que estava ela se poupando? Era um certo medo da própria capacidade, pequena ou grande, talvez por não conhecer os próprios limites. Os limites de um humano eram divinos?
pág.49 - Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas.
pág.55 - Era mais ou menos isto: é só quando esquecemo todos os nossos conhecimentos é que começamos a saber.
pág.58 - alivia a minha alma; faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte, faze com que eu não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que me lembre de que também não há explicação porque um filho quer o beijo de sua mãe e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito, faze com que eu receba o mundo sem receio, pois para esse mundo incompreensível eu fui criada e eu mesma também incompreensível, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para que eu viva com alegria o pão que eu como, o sono que durmo, faze com que eu tenha caridade por mim mesma pois senão não poderei sentir que Deus me amou, faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora de minha morte haja mão humana amada para apertar a minha, amém. (nota: na pág. 125 há a mesma oração porém com algumas modificações no texto).
pág.65 - Temia que Ulisses se cansasse daquela sua resistência paquidérmica em deixar o mundo entrar nela, e desistisse. E o desespero a tomava.
pág.72 - Surpreende seu próprio pensamento: então ela planejava de fato um dia ser sua? Pois enganava-se sempre pensando que se tratava de uma espécie estranha de amizade e que assim continuaria sempre, até murchar como uma fruta que não é colhida a tempo e cai apodrecida da árvore para o chão.
pág.: 75 - Não é por nada que olho: é que eu gosto de ver as pessoas sendo.
pág.115 - Ela conhecia o mundo dos que estão tão sofridamente à cata de prazeres e que não sabiam esperar que eles viessem sozinhos. E era tão trágico: bastava olhar numa boate, à meia-luz, os outros: era a busca do prazer que não vinha sozinho e de si mesmo.
antes o sofrimento legítimo que o prazer forçado.
pág.119 - pois com os amantes que tivera ela como que apenas emprestava o seu corpo a si própria para o prazer, era só isso, e mais nada.
E pensar que os filhos do mundo crescem e se tornam homens e mulheres, e que a noite será plena e grossa para eles também, enquanto eu estarei morta, plena também.
pág.132 - Que faria dessa lucidez? Sabia também que aquela sua clareza podia se tornar o inferno humano. Pois sabia que - em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade - essa clareza de realidade era um risco: "Apagai pois a minha flama, Deus, porque ela não me serve para os dias. Ajudai-me de novo a consistir de um modo mais possível. Eu consisto, eu consisto."
pág. 133 - Pelos minutos de alegria por que passara, Lóri soube que a pessoa devia deixar-se inundar pela alegria aos poucos - pois era vida nascendo. E quem não tivesse força de ter prazer, que antes cobrisse cada nervo com uma película protetora,com uma película de morte para poder tolerar o grande da vida.
pág.135 - E Lóri pensou que talvez essa fosse uma das experiências humanas e animais mais importantes: a de pedir mudamente socorro e mudamente esse socorro ser dado.
pág.161 - - A noite de hoje está m parecendo um sonho.
- Mas não é. É que a realidade é inacreditável.
pág.169 - Existir é tão completamente fora do comum que se a consciência de existir demorasse mais de alguns segundos, nós enlouqueceríamos. A solução para esse absurdo que se chama "eu existo", a solução é amar um outro ser que, este, nós compreendemos que exista.
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