Estou com a energia baixa, desde cedo. Não dormi mais que 3 horas a noite passada e acordei achando que precisava caminhar um pouco, como faço diariamente. Sem sucesso, voltei para casa, com poucas forças. Decidi deitar-me e pegar o livro do Pessoa, uma edição de 1990, Obra em Prosa, que ganhei de uma amiga, juntamente com o outro volume (ambos encadernados), Obra Poética, de 1972. Verdadeiras preciosidades que eu cobiçava e não conseguia encontrar em canto algum. Eis que num determinado dia, há poucos meses, minha amiga chega com os dois volumes, dizendo que era um presente. Eu fiquei paralizada, nem conseguia sentir a emoção toda de uma vez. Agora ela vem se manifestando aos poucos, a cada vez que tomo um dos volumes e começo a ler.
Vou compartilhar uma poesia logo nas primeiras páginas de Obra em Prosa, com o nome no título do post, escrita por F.Pessoa num dia em que ameaçava tempestade, e por ter tido ele fobia das trovoadas, apressou o passo para chegar a casa e nesse meio tempo compôs o seguinte poema:
Abdicação
Toma-me, ó Noite Eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho ...Eu sou um Rei
Que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mãos viris e calmas entreguei,
E meu ceptro e coroa - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços.
Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas dum tinir tão fútil -
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a Realeza, corpo e alma,
E regressei à Noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.